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Chaves para uma gestão mais humana e eficaz do erro em granjas de suínos

Quando gerenciamos o erro de forma sistêmica, deixamos de punir os sintomas e passamos a intervir nas causas reais.

Na rotina diária de uma granja de suínos, é comum se deparar com situações em que as coisas não saem como o esperado: um passo é omitido, um erro é cometido ou uma ação é realizada fora do protocolo. Diante desses eventos, muitas vezes a reação imediata é identificar “os culpados” e aplicar sanções. No entanto, se quisermos melhorar a segurança e o bem-estar no trabalho, precisamos compreender com mais precisão o que de fato está acontecendo. Foi um erro ou uma transgressão? A resposta muda tudo.

Os erros não se punem

Os erros são atos involuntários. Ninguém escolhe errar. Eles são consequência da fadiga, do excesso de tarefas, de falhas no treinamento ou de habilidades limitadas para executar determinadas atividades.

James Reason (1997) classifica os erros em três tipos:

  • Descuido (slip): ações automáticas mal executadas, como apertar o botão errado.
  • Lapsos: falhas de memória ou atenção, como esquecer um passo de um procedimento.
  • Equívoco (mistake): decisões incorretas tomadas com boa intenção, por falta de informação ou formação adequada.

Aplicar sanções nesses casos não é apenas injusto, também reduz a disposição das pessoas em relatar o que acontece. O que realmente faz sentido é perguntar: quais condições permitiram o erro? A instrução estava clara? O procedimento era realista?

Vamos a um exemplo prático em granja: um funcionário aplica um medicamento à matriz errada porque confundiu o número de identificação. O supervisor o pune e aplica uma sanção. A partir daí, esse funcionário tende a esconder os próprios erros para evitar represálias, o que pode comprometer, a médio ou longo prazo, a saúde e o desempenho dos animais sob sua responsabilidade.

Quando gerenciamos o erro de forma sistêmica, deixamos de punir os sintomas e passamos a agir sobre as causas reais.

As transgressões também são um sinal

Quando alguém quebra uma norma de forma intencional, estamos diante de uma transgressão. À primeira vista, isso parece merecer uma sanção. No entanto, o problema está em assumir que essa conduta é puramente individual. As evidências da área de fatores humanos mostram o contrário (ICAO, 2023).

A maioria das transgressões ocorre porque as condições de trabalho as facilitam, incentivam ou até recompensam (Dekker, 2012). Ou seja: o problema está na estrutura, não na pessoa.

Existem quatro tipos de transgressões:

  • Rotineiras: tornam-se parte do dia a dia; todos fazem, inclusive com o conhecimento dos supervisores. Exemplo: em uma granja com apenas dois chuveiros, os funcionários podem deixar de tomar banho a cada entrada nas instalações para ganhar tempo.
  • Induzidas: ocorrem quando há metas ou mensagens contraditórias. Exemplo: cumprir protocolos vs. acelerar a produção. Em uma granja, os funcionários são treinados para desmamar leitões saudáveis e com bom peso, mas podem receber bônus pela quantidade desmamada, o que os leva a enviar à fase seguinte até mesmo leitões doentes ou atrasados, apenas para cumprir a meta.
  • Otimização organizacional: o trabalhador quebra uma regra para beneficiar a empresa. Exemplo: um colaborador decide enviar suínos para o abate mesmo sabendo que o tempo de retirada do medicamento não foi respeitado.
  • Otimização pessoal: busca-se um benefício individual (menos esforço, mais agilidade). Exemplo: operários deixam de pesar todos os leitões ao nascer quando estão atendendo vários partos ao mesmo tempo.

As três primeiras refletem falhas do sistema. Quando uma transgressão se repete, o que se precisa não é punição, mas análise: quais condições estão favorecendo esse comportamento?

Toleramos a transgressão cotidiana… até que ocorre um incidente

Imagem 1. Trabalhador em uma granja de suínos atravessa diferentes áreas sem trocar as botas, ignorando o protocolo de biosseguridade indicado. Imagem gerada por inteligência artificial para fins ilustrativos (OpenAI, 2025).
Imagem 1. Trabalhador em uma granja de suínos atravessa diferentes áreas sem trocar as botas, ignorando o protocolo de biosseguridade indicado. Imagem gerada por inteligência artificial para fins ilustrativos (OpenAI, 2025).

Um erro comum nas organizações é punir a consequência, e não o comportamento. Por exemplo: muitos colaboradores podem deixar de trocar as botas entre áreas sem que nada aconteça. Essa conduta é ignorada ou até mesmo normalizada.

Mas no dia em que ocorre uma contaminação cruzada e se identifica alguém que não cumpriu a troca, essa pessoa é punida como se sua ação fosse isolada. Na verdade, o que mudou não foi o comportamento, e sim o resultado.

Esse tipo de abordagem pune quem teve “azar” e mantém intacto o padrão cultural que permite a transgressão diária. Se o objetivo é prevenir, precisamos deixar de agir apenas diante de consequências graves e passar a observar os hábitos do dia a dia.

Quais regras só são seguidas “quando tem visita”?
Quais normas existem no papel, mas não na prática?
Quais condutas toleramos sempre até que virem um problema?

Gerenciar melhor, punir menos

Tabela 1. Diferenças entre erro e transgressão no trabalho diário. Comparativo no contexto de uma granja de suínos.

Aspecto Erro Transgressão
Intencionalidade Não intencional Intencional
Causa habitual Fadiga, multitarefa, falta de treinamento Cultura organizacional, pressão por resultados, hábito adquirido
Exemplo na granja

Esquecer de registrar uma dose por distração

Ignorar um protocolo de biosseguridade porque “nunca acontece nada”

Gestão recomendada

Revisão de condições, redesenho de tarefas

Análise da causa organizacional e ajustes no sistema

Risco de má gestão

Punir reduz o relato de erros

Punir sem entender perpetua o problema

Erros e transgressões revelam pontos críticos no funcionamento de uma granja. Os erros mostram os limites humanos. As transgressões (quando não há intenção egoísta) são sintomas de processos ou culturas que precisam ser revistas (Tabela 1). Ambos representam oportunidades de melhoria, desde que deixemos de buscar culpados e passemos a redesenhar sistemas que apoiem quem atua no dia a dia.

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