A reprodução é um pilar essencial na suinocultura, e a seleção criteriosa de reprodutores (machos e fêmeas) é fundamental para garantir eficiência reprodutiva e qualidade da progênie. Fêmeas hiperprolíficas têm aumentado a média de leitões por parto, porém esse avanço está associado a um maior número de leitões com baixo peso ao nascer (Figura 1), consequência da restrição intrauterina de crescimento (RIUC) (Tummaruk et al., 2023; Patterson & Foxcroft, 2021).


O que é a RIUC?
A RIUC é caracterizada pela incapacidade do feto de alcançar seu potencial de crescimento durante uma gestação de termo completo. Essa condição é diferente da prematuridade, e se manifesta frequentemente em espécies multíparas como os suínos, principalmente devido à limitação da capacidade uterina e da estrutura placentária pouco eficiente.
Critérios para identificação de leitões afetados
A restrição intrauterina de crescimento (RIUC) pode ser identificada, no animal vivo, por meio de características fenotípicas, por exemplo: crânio em formato de "cabeça de golfinho" (Figura 2), muitas dobras na região do focinho, sendo a cabeça proporcionalmente maior que o restante do corpo. No animal morto, à necrópsia, retiram-se o cérebro e o fígado, pesam-se ambos os órgãos para se obter a relação peso cérebro:peso fígado, sendo esta relação maior que 1 quando o animal sofreu RIUC.

A alta prolificidade intensifica a competição intrauterina por espaço e nutrientes, o que prejudica o desenvolvimento fetal e resulta em variabilidade de peso dentro das leitegadas (Town et al., 2004; Almeida & Alvarenga, 2022; Matheson et al., 2018).
Por que ocorre?
A placenta suína, do tipo epiteliocorial, possui seis camadas celulares entre a mãe e o feto (Figura 3). A formação de dobras placentárias com diferentes tipos de células trofoblásticas visa aumentar a área de troca materno-fetal. Entretanto, alterações morfológicas e funcionais nesse órgão, como baixa vascularização e má formação estrutural, são as principais causas do surgimento da RIUC (Bjorkman, 1973; Vallet, 2013; Town et al., 2004; Stenhouse, 2019; König, 2021).

Estudos recentes indicam que fetos maiores tendem a apresentar mais vasos periendometriais e glândulas endometriais maiores, o que favorece sua nutrição e desenvolvimento. Além disso, há um dimorfismo sexual na morfologia placentária, com machos demandando maior aporte nutricional. Isto pode traduzir-se em maior peso de machos ao nascimento. Tais diferenças sugerem que o peso fetal está diretamente relacionado à qualidade da placenta e à eficiência do ambiente uterino (Franco, 2021).
A RIUC tem impacto bem documentado em parâmetros zootécnicos, como maior mortalidade antes do desmame, pior conversão alimentar e menor deposição de carne magra. Observou-se maior taxa de mortalidade (cerca de 18%) de animais RIUC comparada a animais normais (cerca de 7%), ao longo das fases do ciclo produtivo (nascimento, desmame, descreche e abate) (Alvarenga et al., 2012). No entanto, seus efeitos sobre o desenvolvimento reprodutivo ainda são pouco explorados, embora relevantes (Alvarenga et al., 2013; Felicioni et al., 2020).
Por isso, este artigo abordará os impactos da RIUC em características reprodutivas de fêmeas e machos suínos na vida adulta.
Em fêmeas: a distribuição inadequada de nutrientes no útero compromete o desenvolvimento dos órgãos reprodutivos (Tabela 1), que têm baixa prioridade fisiológica. Tais alterações comprometem a ciclicidade e fertilidade, resultando em fêmeas com menor desempenho reprodutivo e leitegadas menores (Bronson, 1994; Ross & Desai, 2013; Almeida et al., 2017; Cardoso et al., 2022; Almeida et al., 2017a; Almeida et al., 2017b; Costermans et al., 2020).
Em machos: o peso ao nascimento influencia diretamente a estrutura testicular e a qualidade do sêmen. (Tabela 1). Isso resulta em menor produção seminal, menor concentração espermática e menos doses de inseminação por ejaculado. Além disso, esses machos mantêm testículos menores e menos desenvolvidos ao longo da vida, mesmo que parte da estrutura celular seja compensada com o tempo (Knox, 2016; Auler et al., 2016; Sacramento et al., 2022).
Tabela 1. Características reprodutivas observadas em leitões RIUC.
| Fêmeas | Machos |
|---|---|
| Alterações morfológicas nos ovários, como aumento no número de folículos primordiais | Menor comprimento dos túbulos seminíferos |
| Redução de folículos maduros e de folículos atrésicos | Menos células de Sertoli |
| Redução no tamanho ovariano e na qualidade do corpo lúteo | Menor expressão de receptores androgênicos, apesar de concentrações semelhantes de testosterona |
Como mitigar os efeitos da RIUC?
Durante a gestação, estratégias como suplementação de aminoácidos funcionais, como arginina, e o uso de progestágenos, como o Altrenogest, mostraram potencial em melhorar a função uteroplacentária e reduzir a incidência de leitões com baixo peso ao nascer.

Um estudo recente revelou que a administração de Altrenogest no final da lactação (Pires et al., 2023) possibilitou um maior número de glândulas endometriais por área, resultante de maiores níveis de progesterona circulante, o que impactou em um menor número de natimortos na gestação subsequente. Outros estudos mostraram também menores taxas de RIUC, além de melhor perfil hormonal pós-desmame (Van Ginneken et al., 2022; Almeida et al., 2000; Schenkel et al., 2010).
Planos nutricionais diferenciados, como o “bump feeding” (aumento gradual da quantidade de ração durante a gestação), também demonstraram benefícios na uniformidade da leitegada e desempenho durante a lactação. A suplementação com aminoácidos funcionais imunomoduladores (capazes de regular as principais vias metabólicas para aprimorar o crescimento corporal e desempenho produtivo e reprodutivo dos animais, como lisina, metionina, treonina, triptofano, valina e carnitina) durante toda a gestação resultou em maiores pesos e número de leitões nascidos vivos (Ferreira et al., 2021; Alkmim, 2023).
Intervenções pós-natais incluem suplementações nutricionais nas fases de creche, crescimento e terminação, além de ações voltadas à melhora da funcionalidade intestinal de leitões RIUC. Há ainda estudos voltados à seleção genética de matrizes com maior capacidade uterina, visando reduzir a incidência da condição de forma permanente (Hu et al., 2017; Muns et al., 2017; Viott et al., 2018; Santos et al., 2022; Xiong et al., 2020; Zhang et al., 2020; Matheson et al., 2018).
Em suma, a restrição intrauterina de crescimento é uma condição complexa, com efeitos duradouros que comprometem tanto a produtividade quanto a fertilidade de suínos. A suinocultura moderna, que investe fortemente em eficiência reprodutiva, precisa abordar esse problema com estratégias robustas, desde a seleção genética e manejo nutricional das matrizes até o suporte individualizado aos leitões afetados. O enfrentamento da RIUC requer uma abordagem multidisciplinar, integrando genética, nutrição, fisiologia reprodutiva e manejo (Felicioni et al., 2020; Santos et al., 2022).
