Imunização de suínos por via oral
Lucas Sabio Peixoto¹; Teane Milagres Augusto Gomes¹
¹ Instituto Federal Catarinense – Programa de Pós-Graduação em Produção e Sanidade Animal.
A imunização por via oral tem sido explorada pela suinocultura como estratégia para estimular a imunidade de mucosa, especialmente diante de desafios entéricos e respiratórios que acometem animais em fase de creche. A via oral apresenta vantagens logísticas e biológicas, permitindo estimular diretamente os tecidos linfoides associados ao intestino, favorecer a produção de IgA secretório e reduzir a necessidade de aplicações com agulha, que são potencialmente mais invasivas. Diversos tipos de imunizantes têm sido adaptados para administração por via oral com resultados promissores. Estes incluem bactérias recombinantes, nanopartículas biodegradáveis, anticorpos fusionados e vacinas vivas atenuadas (Storino et al., 2023; Vangroenweghe & Boone, 2022).
A imunidade de mucosa representa um dos pilares da vacinação oral, uma vez que muitos patógenos de importância suína penetram pela superfície intestinal ou respiratória superior. Sendo assim, a quantidade de IgAs produzida localmente desempenha papel fundamental na neutralização de agentes e toxinas antes de sua adesão ao epitélio, sendo um mecanismo protetor não plenamente alcançado por vacinas intramusculares (Ma et al., 2018; Min et al., 2024).
É importante destacar que as severas condições do sistema gastrointestinal (devido a, por exemplo: baixo pH e presença de enzimas digestivas) podem ser um desafio para a eficiência de vacinas orais, e nesse contexto a utilização de veículos resistentes às condições intestinais, como micropartículas biodegradáveis, têm demonstrado capacidade de proteger o antígeno e promover resposta imune mais robusta. Em avaliação de micropartículas contendo antígenos administrados por via oral, foi observada elevação significativa de IgA secretória e IgG sistêmico, evidenciando estímulos eficientes do sistema imune local e sistêmico, respectivamente (Challacombe et al., 1992). Esses achados reforçam que a via oral é capaz de gerar respostas combinadas, local e sistêmica, quando o antígeno é devidamente protegido e apresentado (Challacombe et al., 1992; Min et al., 2024).
A utilização de microrganismos recombinantes representa outra estratégia consolidada na imunização oral. Um exemplo: é o uso da bactéria Lactobacillus casei geneticamente modificada com expressão de epítopos do vírus da diarreia epidêmica suína (PEDV). Sendo direcionada a células receptoras de antígenos, induz níveis superiores de IgA local e IgG sérico, quando comparada a outros imunizantes. Além disso, o direcionamento celular permite melhor captação antigênica, mostrando que a modulação do tropismo do vetor vacinal pode aumentar consideravelmente a eficácia imunológica (Ma et al., 2018). Da mesma forma, vetores bacterianos vivos atenuados, como Salmonella expressando antígenos de PCV2d, também demonstram capacidade de induzir respostas imunes mucosal e sistêmica mais intensas, reforçando o papel das plataformas recombinantes na amplificação da imunidade protetora induzida por vacinas orais (Lloren et al., 2023).
Além disso, resultados positivos foram obtidos através do uso de Salmonella Typhimurium atenuada expressando IL-18, que intensifica a resposta imunológica via Linfócitos TH1 após imunização oral. Esse tipo de estímulo imunológico melhorou a eficiência de vacinas inativadas contra o herpesvírus suíno 1. No entanto, a virulência residual se mantém como uma preocupação em relação à segurança dessa tecnologia. É necessário que sejam utilizadas tecnologias que tornem a Salmonella suficientemente atenuada, evitando sua disseminação sistêmica, mas que mantenham sua capacidade de colonização do tecido mucoide. A garantia desse processo, de forma que a bactéria não cause processos inflamatórios indesejados ou infecções sistêmicas, é fundamental (Kim et al., 2012).
A administração de vacinas orais também tem sido investigada para patógenos respiratórios, incluindo o vírus de PRRS e Mycoplasma hyopneumoniae. Em um estudo com Bacillus subtilis esporulado utilizado como plataforma vacinal oral contra PRRS, foram observadas respostas imunológicas capazes de produzir IgA e IgG. Além do aumento de citocinas e anticorpos específicos, observaram-se vantagens logísticas como estabilidade à temperatura ambiente e facilidade de administração em larga escala (Min et al., 2024). Para M. hyopneumoniae, a incorporação de antígenos em sílica mesoporosa nanoestruturada (SBA-15) mostrou-se eficaz em reduzir a eliminação bacteriana e a gravidade das lesões pulmonares, especialmente quando administrada precocemente, sugerindo efeito potencializador sobre a imunidade das mucosas e possível modulação da resposta inflamatória (Storino et al,. 2023).
Entre os modelos mais avançados de imunização oral para suínos, encontra-se o uso de uma vacina viva não patogênica contra Escherichia coli contendo fímbrias 4 e 18 (F4/F18), que promove imunidade contra diarreia pós-desmame. Em condições de campo, a vacinação oral reduz o uso de antimicrobianos, melhora o desempenho zootécnico e diminui a incidência de infecções secundárias, inclusive por Streptococcus suis. Além disso, resultados complementares demonstram que a vacinação oral administrada previamente ao desafio entérico é capaz de promover rápida resposta imunológica, reduzindo a severidade e duração dos sinais clínicos, bem como a eliminação fecal de E. coli enterotoxigênica (Vangroenweghe & Boone, 2022; Correa et al., 2022).
A vacinação oral tem sido estudada inclusive para doenças de alta complexidade epidemiológica, como a peste suína africana. Em javalis de vida livre vacinados oralmente com uma vacina viva atenuada (através de deleções genéticas específicas), observa-se proteção parcial e dependente do genótipo viral, destacando a importância de avaliações estruturadas de proteção cruzada e os desafios de adaptação dessa estratégia a patógenos altamente variáveis (Cadenas-Fernández et al., 2024). Apesar das limitações, o estudo reforça que a via oral pode ser tecnicamente viável mesmo para vírus de alta patogenicidade, desde que devidamente atenuados e avaliados em condições controladas.
Em síntese, a imunização oral em suínos emerge como alternativa viável para induzir imunidade local, reduzir o uso de antimicrobianos, facilitar programas de vacinação em larga escala e modular respostas imunes sistêmicas e locais de maneira equilibrada (Kim et al., 2012). Tecnologias diversas, como recombinação genética e bactérias vivas, compõem um cenário de inovação contínua, apoiado por evidências experimentais e de campo. Embora os desafios permaneçam, como estabilidade antigênica, variabilidade de resposta e necessidade de adjuvantes específicos, os resultados disponíveis demonstram que a via oral representa um eixo estratégico para o futuro da imunização suína, especialmente diante da crescente pressão por sistemas produtivos mais sustentáveis e com menor dependência de antimicrobianos.
Referências
- CADENAS-FERNÁNDEZ, E. et al. Challenging boundaries: is cross-protection evaluation necessary for African swine fever vaccine development? A case of oral vaccination in wild boar. Frontiers in Immunology, v. 15, p. 1388812, 2024.
- CHALLACOMBE, S. J. et al. Enhanced secretory IgA and systemic IgG antibody responses after oral immunization with biodegradable microparticles containing antigen. Immunology, v. 76, n. 1, p. 164, 1992.
- CORREA, F. et al. Effect of an Escherichia coli F4/F18 bivalent oral live vaccine on gut health and performance of healthy weaned pigs. Animals, v. 16, n. 11, p. 100654, 2022.
- KIM, S. B. et al. Oral administration of Salmonella enterica serovar Typhimurium expressing swine interleukin-18 induces Th1-biased protective immunity against inactivated vaccine of pseudorabies virus. Veterinary Microbiology, v. 155, n. 2-4, p. 172-182, 2012.
- LLOREN, K. K. S.; LEE, J. H.. Live-attenuated Salmonella-based oral vaccine candidates expressing PCV2d Cap and Rep by Novel expression plasmids as a vaccination strategy for mucosal and systemic Immune responses against PCV2d. Vaccines, v. 11, n. 12, p. 1777, 2023.
- MA, S. et al. Oral recombinant Lactobacillus vaccine targeting the intestinal microfold cells and dendritic cells for delivering the core neutralizing epitope of porcine epidemic diarrhea virus. Microbial Cell Factories, v. 17, n. 1, p. 20, 2018.
- MIN, H. et al. Oral Bacillus subtilis spores-based vaccine for mass vaccination against porcine reproductive and respiratory syndrome. Scientific Reports, v. 14, n. 1, p. 27742, 2024.
- STORINO, G. Y. et al. Use of nanostructured silica SBA-15 as an oral vaccine adjuvant to control mycoplasma hyopneumoniae in swine production. International journal of molecular sciences, v. 24, n. 7, p. 6591, 2023.
- STORINO, G. Y. et al. Use of nanostructured silica SBA-15 as an oral vaccine adjuvant to control Mycoplasma hyopneumoniae in swine production. International Journal of Molecular Sciences, v. 24, n. 7, p. 6591, 2023.
- VANGROENWEGHE, F. A. C. J; BOONE, M.. Vaccination with an Escherichia coli F4/F18 vaccine improves piglet performance combined with a reduction in antimicrobial use and secondary infections due to Streptococcus suis. Animals, v. 12, n. 17, p. 2231, 2022.
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