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Impacto do acordo UE-MERCOSUL no setor suíno: Perspectivas e desafios

No último dia 6 de dezembro de 2024, foi firmado o acordo final de associação entre a União Europeia (UE) e o MERCOSUL. Esse acordo é considerado histórico, dada sua magnitude, pois cria um mercado de bens e serviços com cerca de 800 milhões de consumidores e representa um quarto do PIB mundial.

Um dos principais objetivos do acordo é eliminar quase 90% das tarifas entre ambas as partes, de forma progressiva ao longo de um período de 10 anos, com algumas exceções que poderão se estender por até 15 anos. Vale destacar que, apesar de já ter sido assinado, o acordo ainda está sujeito ao processo de ratificação pelas instituições europeias e pelos parlamentos nacionais dos Estados-membros, o que pode levar vários meses ou até mesmo anos.

O acordo terá efeitos importantes sobre a carne suína e, como era de se esperar, gerou opiniões divididas entre os representantes do setor suinícola das duas regiões. Enquanto alguns o veem como uma oportunidade, outros o consideram um risco devido aos desequilíbrios normativos e econômicos.

Contexto atual do comércio internacional de carne suína para as partes

Antes de analisar os efeitos do acordo em nosso setor, é necessário contextualizar a situação atual do comércio de carne suína em ambos os blocos. Abaixo, apresentamos uma breve análise dos volumes e fluxos do comércio internacional para as duas partes.

União Europeia

A União Europeia se destaca como a principal exportadora de carne suína no cenário global, seguida pelos Estados Unidos e pelo Brasil, com um total de 4,35 milhões de toneladas de produtos suínos exportados em 2024. Nesse sentido, seus principais destinos no último ano foram a China e o Reino Unido, enquanto o MERCOSUL representou apenas 0,17% do total geral (Gráfico 1).

Gráfico 1. Principais destinos das exportações de carne suína da UE em 2024, incluindo os dados referentes ao MERCOSUL. Fonte: 333 com base em dados do Eurostat.
Gráfico 1. Principais destinos das exportações de carne suína da UE em 2024, incluindo os dados referentes ao MERCOSUL. Fonte: 333 com base em dados do Eurostat.

Quanto aos embarques para os países do MERCOSUL, os principais destinos foram o Uruguai (3.453 t, 47% do total exportado ao MERCOSUL) e o Brasil (2.979 t, 41%), seguidos, em menor escala, pela Argentina (861 t, 12%) e pelo Paraguai (17 t, 0,2%). Os produtos que a UE fornece ao MERCOSUL são, em geral, de maior valor agregado, como carnes salgadas e defumadas, embora também haja envios significativos de gordura suína (Gráfico 2).

Gráfico 2: Exportações de produtos e subprodutos de carne suína da União Europeia para o MERCOSUL em 2024, em toneladas. Fonte: 333 com base em dados do Eurostat.
Gráfico 2: Exportações de produtos e subprodutos de carne suína da União Europeia para o MERCOSUL em 2024, em toneladas. Fonte: 333 com base em dados do Eurostat.

Em relação às importações de carne suína, trata-se de um volume residual, já que, em 2024, a UE importou 160.947 toneladas, sendo a maior parte oriunda do Reino Unido (67%). Do total, as importações provenientes dos países que compõem o MERCOSUL somaram apenas 25 toneladas, o que equivale a 0,02% do total das importações suínas da UE. Destaca-se a participação do Brasil, que respondeu por 64% desse volume, com 16 toneladas exportadas para o bloco europeu.

MERCOSUL

Apesar de o MERCOSUL se referir a um bloco composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, é importante destacar as diferenças marcantes entre esses países, já que as vantagens e desvantagens do acordo podem impactar de formas distintas cada um dos membros. A seguir, apresentamos uma breve caracterização do comércio internacional de carne suína para cada país:

  • Brasil, conhecido como o gigante latino-americano, é o quarto maior exportador de carne suína do mundo. Em 2024, bateu um recorde nas exportações de carne suína, superando 1,3 milhão de toneladas, das quais 30% foram destinadas à China. Atualmente, o Brasil possui mais de 89 países habilitados para receber sua carne suína, sendo que 90% das exportações correspondem a cortes suínos. Quanto aos envios para a UE, esses representam apenas 1% do total geral, enquanto as importações provenientes da UE também são mínimas, compostas principalmente por produtos salgados e defumados.
  • Argentina é um país com grande potencial e, nos últimos anos, tem passado por mudanças em suas políticas que influenciaram positivamente o ambiente macroeconômico, com destaque para a redução significativa da inflação e do déficit fiscal, além da eliminação de barreiras ao comércio internacional. Em relação à suinocultura, em 2024 a produção de carne suína cresceu a uma taxa de 3%, alcançando 785.000 toneladas. As importações registraram um aumento interanual de 38%, totalizando 22.000 toneladas, das quais 95% vieram do Brasil e os 5% restantes de países como Chile e Paraguai. Quanto às exportações de carne suína, observou-se um crescimento de 30% no último ano, atingindo quase 30.000 toneladas. Atualmente, a Argentina possui 41 destinos habilitados para exportar sua carne suína.
Gráfico 3: Comércio internacional de carne suína no MERCOSUL em 2024 e participação dos países membros. Fonte: 333 com base em dados da Comexstat, SAGyP, OPYPA e ACCP.
Gráfico 3: Comércio internacional de carne suína no MERCOSUL em 2024 e participação dos países membros. Fonte: 333 com base em dados da Comexstat, SAGyP, OPYPA e ACCP.
  • O Paraguai se destaca por sua forte vocação exportadora, apesar de ser um país muito pequeno em termos geográficos. Em 2024, exportou mais de 15.000 toneladas de carne suína, tendo Taiwan como seu principal parceiro comercial, com 64% das exportações do setor. Além disso, o país mantém uma dinâmica intensa no comércio intrarregional do MERCOSUL, já que 17% de suas exportações no último ano foram destinadas ao Uruguai, 12% ao Brasil e 4% à Argentina. Os produtos mais exportados correspondem principalmente a carnes congeladas (72%) e tripas (17%).
  • O consumo interno do Uruguai é composto em 80% por carne suína importada. Seus principais fornecedores de carne congelada são justamente países do MERCOSUL: Brasil (96%) e Paraguai (2%). Já as importações de gordura suína provêm principalmente da Espanha (36%), Chile (19%) e Paraguai (18%).

Desafios e oportunidades do acordo, percepção das partes

O potencial dessa negociação para o setor suinícola é enorme. Além de transformar e aumentar significativamente o comércio de carne suína entre as duas regiões, o acordo tem a capacidade de gerar intercâmbios relevantes em temas como transferência de tecnologia, bem-estar animal e sustentabilidade, especialmente da União Europeia em direção ao MERCOSUL, atraindo também grandes investimentos.

Por outro lado, a UE também pode se beneficiar ao ampliar sua participação de mercado na América Latina e ao ter acesso a matérias-primas a custos relativamente baixos, já que Brasil e Argentina estão entre os principais produtores mundiais de milho e soja.

Vamos agora analisar mais a fundo os possíveis efeitos para cada uma das partes.

União Europeia

Dentro da União Europeia, os efeitos do acordo serão diferentes para cada Estado-membro, pois dependerão de fatores como a estrutura da sua produção, sua orientação exportadora e sua dependência de matérias-primas.

De forma geral, a abertura desse novo mercado pode não representar uma mudança significativa em termos de volume exportado, já que, como mencionado anteriormente, o MERCOSUL possui uma produção suína robusta e um comércio intrarregional consolidado. Onde pode haver oportunidades de crescimento é na exportação de produtos de alto valor agregado. A carne processada, os embutidos curados e outros derivados suínos europeus são reconhecidos globalmente por sua qualidade e tradição. Até agora, as exportações desses produtos para o MERCOSUL têm sido limitadas devido às altas tarifas e barreiras comerciais. Com o acordo, a redução ou eliminação dessas tarifas pode facilitar o acesso aos consumidores do MERCOSUL, especialmente em mercados premium e setores de maior poder aquisitivo, que buscam produtos diferenciados em sabor, qualidade e certificações sanitárias.

No entanto, essa abertura também traz riscos para os produtores europeus. O MERCOSUL é uma região altamente competitiva em termos de custos de produção, devido a fatores como o acesso a matérias-primas mais baratas (principalmente soja e milho para alimentação animal), regulamentações ambientais e de bem-estar animal menos rigorosas, e menor custo da mão de obra. Isso gera preocupações no setor suinícola europeu, que já opera sob normas rígidas e enfrenta desafios de rentabilidade.

Nesse sentido, embora o acordo mantenha intactos os elevados padrões sanitários, de bem-estar animal e de sustentabilidade da UE, ele pode gerar uma concorrência desigual entre os produtores europeus e os do MERCOSUL, devido às diferenças estruturais nos custos de produção e nas regulamentações internas. A aplicação de cláusulas de salvaguarda, o reforço nos controles de cumprimento das normas sanitárias e de sustentabilidade, assim como a implementação de certificações alinhadas com os padrões europeus, serão aspectos essenciais para evitar um impacto negativo na suinocultura da UE.

Outro ponto a ser considerado é o fornecimento de matérias-primas. A soja, principal produto agrícola que a UE importa do MERCOSUL, juntamente com seus derivados (farelo e óleo de soja), já entra no mercado europeu com tarifas nulas ou muito baixas, no caso dos derivados. No entanto, dada a alta dependência da UE dessas importações, o acordo pode beneficiar a pecuária europeia ao garantir um fornecimento mais estável para uso na produção de alimentos.

MERCOSUL

Embora o MERCOSUL funcione teoricamente como um bloco econômico, ao analisarmos as particularidades do mercado suinícola de cada país membro, identificamos características bastante distintas entre eles — desde o grande volume e diversidade de destinos de exportação do Brasil, passando pelo alto potencial e estrutura produtiva da Argentina, a vocação exportadora do Paraguai, até a dependência de importações por parte do Uruguai para suprir sua demanda interna. Nesse contexto, os efeitos e benefícios do tratado com a União Europeia serão muito distintos para cada país.

Além disso, o comércio intrarregional no MERCOSUL é altamente dinâmico no que se refere à carne suína, como vimos anteriormente. Essa característica pode, em certa medida, limitar a entrada de carne suína da UE, já que o bloco sul-americano conta com uma oferta interna robusta e competitiva, além de uma demanda amplamente atendida. No entanto, a União Europeia pode encontrar oportunidades ao ampliar suas exportações de produtos processados, como carnes salgadas e defumadas, cujo acesso atualmente é limitado devido aos altos custos, restringindo o consumo a um público mais seleto. A entrada desses produtos com isenção tarifária poderá diversificar a oferta gastronômica em uma cultura tradicional, mas que vem buscando novas opções alimentares.

Por outro lado, as oportunidades para que o MERCOSUL passe a exportar carne suína e subprodutos à UE podem estimular a expansão da suinocultura e o crescimento da produção local voltada exclusivamente a esse novo mercado. Contudo, apesar da competitividade teórica dos produtos do MERCOSUL, especialmente em termos de custo-benefício, há barreiras não tarifárias significativas que dificultariam esse acesso. Entre elas, destacam-se as exigentes normas europeias em temas como bem-estar animal, sustentabilidade, rotulagem e biosseguridade. Atualmente, mesmo os grandes produtores dos países do MERCOSUL estão apenas iniciando o processo de adaptação a essas exigências.

Diante disso, surge a pergunta: é suficiente que os produtores do MERCOSUL adequem suas granjas e cadeias produtivas aos altos padrões da UE, unicamente motivados pelo acesso ao mercado europeu? Ou seriam necessários também acordos e regulamentações jurídicas em nível nacional, que harmonizem as exigências e ofereçam respaldo institucional para o cumprimento dessas normas? Essa é uma questão central, considerando o desequilíbrio que pode surgir, já que os produtores europeus operam sob regulações muito mais rígidas do que as atualmente em vigor nos países do MERCOSUL.

Uma possível consequência futura da implementação desse acordo seria a transformação do setor suinícola no MERCOSUL, impulsionada justamente pelas exigências regulatórias da UE. Tais exigências poderiam contribuir, mesmo de forma indireta, para remodelar o modelo de produção suinícola regional, incentivando a adoção de inovações tecnológicas, melhorias genéticas, práticas mais sustentáveis e outros avanços nos quais a União Europeia detém uma posição de liderança, e nos quais os países do MERCOSUL ainda têm muito a evoluir. Graças a esse acordo, poderiam ser desenvolvidos projetos conjuntos de cooperação e transferência de conhecimento, impulsionando o desenvolvimento e a modernização do setor suinícola na região.

Tabela 1. Paralelo dos desafios, riscos e oportunidades do comércio de carne suína entre a União Europeia e o MERCOSUL, decorrentes do acordo

UNIÃO EUROPEIA

MERCOSUL

OPORTUNIDADES
  • Diversificação de mercados: Possibilidade de exportar carne suína ao Mercosul, embora a forte produção local no Brasil possa limitar essa opção.
  • Valor agregado: Exportação de produtos curados e de maior valor agregado, onde a UE possui vantagem competitiva.
  • Acesso ao mercado europeu: O Brasil e outros países poderiam se beneficiar caso cumpram as normas sanitárias e de bem-estar animal da UE.
  • Fortalecimiento do setor: A necessidade de atender às exigências europeias pode impulsionar a modernização e a especialização da produção suína.
  • Diversificação de exportações: Menos dependência de mercados como China.
  • Atração de investimentos e tecnologia: Empresas europeias poderiam investir na região, transferindo conhecimentose melhorando a competitividade.
DESAFIOS E RISCOS
  • Concorrência desigual: Os produtores europeus enfrentam custos mais elevados devido às rigorosas normas sobre bem-estar animal, uso de antibióticos e sustentabilidade.
  • Possível perda de competitividade: A redução de tarifas favorece os produtores do Mercosul, que têm menores custos de produção.
  • Barreiras sanitárias e regulatórias: Apesar do acordo, a UE manterá exigências rigorosas em rastreabilidade, rotulagem e controles sanitários, o que pode dificultar as exportações.
  • Desafios no mercado local: Um aumento nas importações europeias pode pressionar os preços internos e impactar negativamente pequenos e médios produtores.
  • Exigências de sustentabilidade: Os consumidores europeus valorizam cada vez mais a sustentabilidade, o que pode restringir a aceitação de produtos do Mercosul que não cumpram esses padrões.
  • Adequação das granjas: Muitas produções no Mercosul precisarão de investimentos significativos para se adaptar às regulamentações europeias.
CENÁRIOS FUTUROS
  • Implementação gradual: Espera-se que os efeitos do acordo se tornem mais evidentes em um prazo de 5 a 10 anos, à medida que as normativas sejam ajustadas e os mercados se adaptem.
  • Impacto na produção suína global: A tendência rumo a padrões mais exigentes de bem-estar animal e sustentabilidade influenciará a evolução do setor, embora a velocidade de adaptação varie entre as regiões.
  • Possível crise na produção suína latinoamericana: Caso a UE imponha suas exigências sem prazos de adaptação adequados, alguns produtores do Mercosul poderão enfrentar dificuldades para cumpri-las.

Fonte: 333

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