Desde que chegou ao poder, Donald Trump se envolveu em uma guerra comercial com os parceiros econômicos dos EUA. Para as granjas de suínos, as consequências econômicas variam de uma região para outra.
Estados Unidos / China
A guerra comercial entre os dois gigantes mundiais foi retomada com o retorno de D. Trump ao poder. Os Estados Unidos decidiram aplicar tarifas aduaneiras aos produtos chineses, e diversos anúncios foram feitos em sequência. A China já respondeu com a imposição de tarifas adicionais às que já estavam em vigor. A carne suína dos EUA, portanto, será penalizada em território chinês, com a aplicação de tarifas totais conforme os diferentes produtos suínos...

Em 2024, os Estados Unidos eram o segundo maior fornecedor da China, logo atrás da Espanha, com aproximadamente 438.000 toneladas exportadas, no valor de 921 milhões de euros. A participação de mercado dos produtos norte-americanos na China chegava a quase 20% em volume. Entre os produtos exportados para a China, cerca de dois terços eram miúdos e o terço restante correspondia a cortes congelados. O aumento das tarifas de entrada no mercado chinês provocará uma redução no volume de produtos norte-americanos importados e uma queda em seus preços.
Uma consequência direta será a perda de participação de mercado para os norte-americanos, o que implicará a necessidade de buscar novos mercados em crescimento. Em 2024, a China absorveu 55% dos miúdos exportados pelos Estados Unidos, muito à frente do México (27%) e das Filipinas (7%). Dada a importância da China e o número limitado de alternativas existentes, é provável que os Estados Unidos percam apenas 30% dos volumes de miúdos atualmente exportados para a China. Esses volumes devem ser redistribuídos prioritariamente entre México e Filipinas. A perda dos volumes de miúdos exportados pelos norte-americanos representaria cerca de 90.000 toneladas.
A China representa apenas 6% dos cortes congelados exportados pelos Estados Unidos. As alternativas de destino são muito mais numerosas (México, Japão, Coreia do Sul, América Latina, Canadá…). É provável que as medidas de retaliação chinesas contra os produtos norte-americanos gerem uma queda de cerca de 75% nos volumes exportados de carne suína, ou seja, mais de 330.000 toneladas, já que exportar carne para a China se tornará caro demais para os frigoríficos norte-americanos, reduzindo suas margens. Para continuar sendo competitivos frente aos preços dos produtos europeus e brasileiros, o valor unitário dos produtos norte-americanos vendidos nesse mercado deverá diminuir. Essa perda de valor é estimada em mais de 250 milhões de euros.
Os volumes perdidos pelos Estados Unidos no mercado chinês devido ao aumento das tarifas poderão ser aproveitados pelos europeus e brasileiros. Além disso, as relações diplomáticas estão se tensionando entre outros países: a China confirmou recentemente sua intenção de impor uma tarifa adicional de 25% à carne suína canadense, eliminando a possibilidade de o Canadá se apresentar como alternativa à carne suína norte-americana nesse mercado. A queda momentânea da oferta na China provocará aumentos nos preços da carne suína. Os impactos dessa guerra comercial em outros setores econômicos impedem prever uma recuperação do consumo e do crescimento econômico na China. As importações chinesas de produtos suínos provavelmente se manterão no mesmo nível de 2024. No entanto, a China já anunciou que pretende fortalecer suas parcerias comerciais com os países dos BRICS (ou seja, especialmente Brasil e Rússia). Assim, os europeus estarão em concorrência com o Brasil e, em menor medida, com a Rússia.
Estados Unidos / Ásia Oriental
Os demais mercados asiáticos também não estão isentos. Eles sofrerão aumentos tarifários variáveis, dependendo do país. Esses mercados (Japão, Coreia do Sul, Singapura, Filipinas, Taiwan, Tailândia...) não adotaram medidas de retaliação contra os produtos norte-americanos devido às consequências econômicas esperadas em outros setores. Na prática, a carne suína dos Estados Unidos não será penalizada em preço nesses mercados. No entanto, embora os mercados do Leste Asiático não tenham aumentado suas tarifas, podem demonstrar menor disposição para comprar carne suína norte-americana, favorecendo outros fornecedores como a UE-27, Brasil, Canadá e, em menor escala, a Rússia.
Estados Unidos / União Europeia
A UE-27 também não escapou da guerra comercial liderada por Donald Trump. Os produtos europeus seriam taxados com um adicional de 20%. Cerca de 100.000 toneladas de carnes e produtos suínos seriam afetadas, principalmente cortes e produtos processados. Levanta-se a hipótese de que a UE manteria seus volumes exportados aos Estados Unidos por várias razões:
- As autorizações para exportar para os EUA são difíceis de obter e relativamente custosas.
- Uma parte significativa dos produtos exportados pela UE-27 é de alto valor agregado, como os embutidos italianos e poloneses que, devido à presença da Peste Suína Africana (PSA), possuem poucas alternativas de mercado.
- Esses produtos são pouco substituíveis e específicos à demanda norte-americana. É provável que os exportadores se recusem a perder seu espaço nesse mercado.
No entanto, o preço unitário dos produtos poderia ser reduzido, assim como a margem dos industriais europeus, para manter a competitividade. O aumento das tarifas sobre carnes e produtos processados deve provocar perdas de margem superiores a 115 milhões de euros para os exportadores europeus, dois terços dos quais correspondem a produtos transformados de alto valor agregado, afetando principalmente os exportadores italianos (20.000 t de produtos processados em 2024), poloneses (8.000 t) e dinamarqueses (7.000 t). Além da perda de margem, alguns volumes poderiam permanecer no mercado europeu, aumentando a pressão da oferta interna.
Quais as oportunidades para brasileiros e europeus?
No mercado chinês, os produtos suínos europeus e brasileiros (cortes e miúdos) já eram os mais competitivos em relação aos de origem norte-americana nos últimos três anos. Esses dois grandes produtores e exportadores estão agora chamados a compensar a redução dos volumes dos Estados Unidos nesse mercado (cerca de 450 mil toneladas de carnes e miúdos).
As inúmeras e contraditórias declarações do presidente dos EUA exigem cautela ao se avaliar o impacto desse cenário. Por isso, o IFIP considera diversos cenários de redistribuição dos volumes liberados pelos Estados Unidos entre Brasil e UE-27:
- Distribuição atual: 15% para o Brasil, 50% para a UE-27 e 35% para outros;
- Divisão igualitária entre exportadores: 50% para o Brasil e 50% para a UE-27;
- Crescimento brasileiro: 50% para o Brasil, 30% para a UE e 20% para outros.
Os volumes redistribuídos variariam então entre 125.000 t e 225.000 t para a UE e entre 65.000 t e 225.000 t para o Brasil. A esses volumes podem se somar oportunidades em outros mercados do Leste Asiático, que não adotaram represálias contra os EUA, mas que podem se mostrar menos dispostos a continuar comprando carne suína norte-americana. Isso dependerá das relações comerciais entre fornecedores e compradores asiáticos, e sobretudo da disponibilidade de carne suína nas regiões produtoras.
As perspectivas de crescimento para 2025 são levemente positivas para o Brasil (+1,2% na produção em relação a 2024, ou seja, +54.000 t equivalente carcaça) e estáveis para a UE-27. A baixa disponibilidade adicional levará a uma redistribuição dos fluxos comerciais (redução do comércio intraeuropeu para redirecionamento à exportação) e ao aumento dos preços da carne suína em ambos os mercados.
No mercado europeu, num contexto de estabilização da oferta, um aumento de 125.000 t na demanda por carne suína provocaria um crescimento de aproximadamente 1,1% nos preços de produção anual. Um aumento de 225.000 t nas exportações geraria uma alta média anual de cerca de 2,7% nos preços da carne suína no mercado francês. Essas perspectivas são positivas para os suinocultores e exportadores, especialmente diante da queda nos preços das matérias-primas. No entanto, o setor de embutidos poderá ser mais impactado pela redução da disponibilidade de carne no mercado e pela elevação esperada dos preços.
No caso do Brasil, prevê-se um aumento nos preços da soja, e os produtores brasileiros podem, a médio prazo, priorizar a valorização da soja em detrimento da produção suína. Isso pode levar a uma redução da oferta de carne suína caso o conflito comercial se prolongue.

Além dos impactos econômicos diretos sobre a cadeia de valor da suinocultura, a guerra comercial liderada pelo presidente Trump deve gerar outras consequências significativas. A alta prevista nos preços para os consumidores, tanto nos EUA quanto na China, aliada às incertezas sobre a manutenção da demanda, pode desacelerar o crescimento econômico global. Essa guerra marca o início de uma crise global. Esse contexto será prejudicial ao comércio internacional, aos produtores, às empresas e aos consumidores. Apesar de possíveis oportunidades de crescimento no curto prazo, a maioria dos países e agentes econômicos será prejudicada. A volatilidade das declarações do presidente Trump torna essas previsões incertas, e os impactos econômicos variarão em magnitude e duração conforme suas decisões.
Elisa Husson, economista do IFIP.